Como não deixar a positividade tóxica afetar suas relações
Cobranças por otimismo constante podem invalidar emoções legítimas e afastar as pessoas do que realmente precisam: acolhimento, escuta e autenticidade,
Vivemos em uma cultura que, com frequência, valoriza mais o sorriso do que a verdade. Frases como “seja grato”, “pense positivo” ou “vai passar” aparecem por todos os lados: em conversas com amigos, nas redes sociais ou até dentro dos relacionamentos. À primeira vista parecem conselhos gentis. Mas quando usados como forma de evitar o que é desconfortável, podem ter o efeito contrário ao desejado: silenciar sofrimentos e afastar as pessoas umas das outras. É nesse ponto que vale refletir como a positividade tóxica afeta a relação e por que a insistência em manter uma atitude otimista a qualquer custo pode minar a escuta, o acolhimento e o vínculo emocional.
Esse fenômeno transforma o que poderia ser um gesto de apoio em uma forma sutil de negação emocional. E, ao ignorar sentimentos difíceis, deixamos de cuidar do que realmente precisa de atenção.
Nem tudo precisa estar bem o tempo todo
A terapeuta de casais Jamille Façanha conta que positividade tóxica é quando o otimismo vira obrigação. “É quando não há espaço para o desconforto, para a dor, para os sentimentos difíceis. Só o que é leve e feliz tem vez. O resto é descartado ou ignorado.”
No contexto dos relacionamentos amorosos, isso impede que haja profundidade emocional. As conversas se tornam rasas, e a conexão é substituída por uma aparência de leveza constante. Mas por trás disso, muitas vezes se esconde uma solidão que não é nomeada.
O psicanalista Jorge Guedes acrescenta que esse tipo de otimismo excessivo pode funcionar como uma forma de defesa contra o que é incômodo. “Frases como ‘sorria’ ou ‘isso vai passar’ parecem apoio, mas, muitas vezes, são tentativas inconscientes de evitar o desconforto que o sofrimento do outro provoca. Só que, ao fazer isso, negamos a realidade emocional dele.”
Ele ainda ressalta como esse silenciamento constante leva a um efeito cumulativo. “A pessoa começa a internalizar a ideia de que sentir dor é um erro, uma falha pessoal. Isso gera culpa, vergonha e, não raro, uma autocrítica intensa que se manifesta em quadros de ansiedade e até depressão.”
“É como se a dor do outro fosse julgada e tivesse que se justificar o tempo todo”, aponta Jamille. Em vez de promover apoio, esse tipo de resposta impede que a pessoa expresse o que sente. Ela se fecha, se isola e, muitas vezes, começa a duvidar da legitimidade dos próprios sentimentos.
Redes sociais intensificam a positividade tóxica
A psicóloga Aline Rezende observa que as redes sociais também reforçam o ideal de felicidade plena. “Estamos consumindo o tempo todo os melhores 50% da vida dos outros. Mas achamos que essa é a vida toda deles”, explica. Com isso surge um sentimento de inadequação, como se estar triste ou perdido fosse sinal de fracasso pessoal.
“Os sinais que mostram como a positividade tóxica afeta a relação é ter aquela sensação de que ‘a minha vida é um fracasso e a vida de todos os outros é perfeita’. Mais ou menos a sensação de que a grama do vizinho é sempre verde e a nossa é seca. Isso não aparece nas postagens. Mas essa postura silencia a gente, traz exatamente a um fracasso total. Então quem está vivendo esse momento começa a se sentir errado, deslocado.”
“As redes sociais criaram um palco de performance emocional. Ninguém quer parecer frágil ou vulnerável. Então, o que se exibe é uma felicidade contínua, que ignora o que há de mais humano: os dias em que não estamos bem.”
Como a positividade tóxica afeta a relação
A positividade tóxica também pode sufocar os vínculos no amor. Jamille destaca que quando o casal se força a estar bem o tempo todo qualquer atrito vira ameaça. “Muitos casais associam conflito à ideia de fracasso. No entanto, é na verdade das conversas difíceis que a intimidade se fortalece.”
Quando não há espaço para expressar insatisfação, insegurança ou tristeza, o relacionamento entra em um modo de negação. Parece estável por fora, mas está emocionalmente distante por dentro. “Se não dá para falar sobre o que está doendo, o amor vira um teatro”, diz Jamille.
Guedes reforça que a intimidade verdadeira só acontece quando há espaço para a verdade emocional, sem máscaras ou filtros. “A insistência em ignorar ou minimizar as emoções negativas pode levar os indivíduos a um estado de negação do sofrimento emocional, incluindo a desvalorização de experiências negativas a favor da imposição da cultura do sorriso, na qual expressar tristeza ou frustração é visto como fraqueza.”
Como cultivar vínculos sem cair na armadilha da positividade tóxica
A saída está em permitir que todas as emoções, e não só as positivas, façam parte da vida e dos relacionamentos. Isso não significa se entregar ao pessimismo, mas reconhecer que tristeza, frustração, medo e raiva também têm seu lugar e seu valor.
“Compartilhar o que nos desafia é a parte mais importante da vida. É isso que nos conecta, nos humaniza”, diz Aline. Quando conseguimos ouvir alguém com presença e empatia, sem apressar soluções ou minimizar a dor, criamos um espaço seguro.
Para Guedes, “é fundamental desenvolver redes de apoio que auxiliem os indivíduos subjugados a cultivar a autoaceitação e a autovalorização, além de compreenderem que os sentimentos são essenciais para o bem-estar psicológico, emocional, ético e moral”.
No campo dos relacionamentos, Jamille traz dicas para incentivar uma escuta mais honesta e empática nos vínculos. “É preciso cultivar coragem emocional, criando uma cultura de conversa em que os sentimentos sejam bem-vindos, sem julgamentos. Isso significa permitir que a relação abrigue o riso e o choro, o afeto e o incômodo, o leve o denso.”
“Uma boa dica é trocar perguntas ansiosas como ‘já está melhor?’ por ‘como você está com isso agora?’. Relações saudáveis são aquelas em que as pessoas dizem tudo com respeito e presença, sentindo-se vistas e seguras para existir por inteiro”, completa.
Fonte: vindaSimpes