
Você pensa, repensa e muda de ideia. Escolhe a roupa, mas troca. Escreve uma legenda e apaga. Segura uma opinião, mesmo quando sente que precisa falar. No fundo, você sabe o que gostaria de fazer mas algo te trava. E esse “algo” muitas vezes tem nome: o medo da opinião dos outros que te paralisa. Se você já deixou de fazer algo por receio do julgamento alheio, você não está só. Esse desconforto, ainda que sutil, é mais comum do que parece. Ele não nasce só de insegurança, mas de histórias antigas que nos ensinaram a calibrar nosso valor pelo olhar de fora.
No fundo, todo mundo já passou por esse sentimento e, aos poucos, deixa de viver a própria vida. Essa dinâmica, tão comum quanto silenciosa, paralisa escolhas, desejos e gestos espontâneos. No entanto, ela não surge de um dia para o outro.
O psicanalista Jorge Guedes explica que tudo começa lá atrás. “O olhar do outro atua como o reflexo de um espelho, diminuindo ou amplificando aspirações e desejos. Esse reflexo começa a se formar na infância, em ambientes onde as aprovações e desaprovações moldam expectativas e distorcem a autoimagem.”
É nesse cenário onde o afeto parece condicional e o erro se transforma em ameaça, que nasce a necessidade de agradar e ser reconhecido.
Psicóloga e neuropsicóloga, Aline Graffiette afirma que algumas pessoas são, por natureza emocional, mais sensíveis a esse olhar externo e tem a ideia inconsciente de que só terão valor se forem bem vistos. “Pessoas com traços de maior dependência emocional ou vulnerabilidade tendem a ser mais afetadas pelo julgamento alheio, muitas vezes moldando suas decisões e sua forma de existir só para se encaixar.”
Experiências precoces, como críticas constantes ou rejeições familiares, podem se transformar em filtros emocionais duradouros. “Essas crianças crescem com a necessidade de provar algo, de mostrar que são capazes, dignas, talentosas. Isso gera um perfeccionismo exaustivo, que frequentemente se disfarça de ambição, mas nasce do medo do fracasso e do desejo de aceitação”, explica Guedes.
A neuropsicóloga observa que, com o tempo, essa necessidade de aprovação da opinião dos outros sobre nós passa a interferir até em decisões de como se vestir, dizer ou publicar algo. “A validação se torna um termômetro constante. E quando a pessoa não se sente validada, interpreta isso como falha pessoal.”
Um dos dilemas que atravessam essa experiência é a confusão entre o medo real de rejeição e a fantasia de julgamento. O primeiro nasce de situações concretas, como críticas, exclusões e experiências marcantes. Já a fantasia, explica Guedes, “é uma construção mental que amplifica o modo como acreditamos que os outros nos veem”. Muitas vezes, não há uma ameaça verdadeira, apenas um enredo interno que alimenta a autocobrança.
Muitas vezes, essa paralisia não vem de alguém real, mas do “outro imaginário” — uma figura construída pela mente a partir do resultado de projeções e medos antigos. “Cada indivíduo projeta nos outros suas próprias experiências mal resolvidas. Assim, passamos a viver relações mediadas por idealizações e estigmas. O temor não está no outro em si, mas na representação mental que construímos dele”, diz o psicanalista.
“Ou seja, não é o que o outro pensa que nos aprisiona, é o que acreditamos que ele pensa. Essa crença nos afasta da espontaneidade. O desejo cede lugar à performance e a conexão consigo mesmo dá lugar à busca constante por validação.”
Viver em função do desejo do outro é uma forma sutil de desaparecimento. Guedes explica que, nesse cenário, a pessoa “prioriza a satisfação alheia em detrimento das próprias necessidades. Com o tempo, ela perde a clareza sobre o que realmente quer”.
Esse comportamento, muitas vezes inconsciente, alimenta dinâmicas tóxicas. Relações baseadas na dependência emocional, trabalhos que não refletem a verdade, rotinas feitas para sustentar um personagem. Segundo ele, essa “pálida dinâmica emocional” compromete a autoestima e enfraquece a capacidade de impor limites.
Aline destaca que esse comportamento, quando automatizado, vira um hábito difícil de romper: “Nosso cérebro poupa energia replicando comportamentos. Se você sempre se molda ao ambiente para evitar julgamento, isso vira piloto automático e você se desconecta da própria essência.”
Ela reforça que há uma diferença entre cautela e autossabotagem. “Cautela é avaliar com maturidade. Autossabotagem é desistir de si por medo.”
Segundo Aline, alguns sinais comuns de que estamos vivendo em função da opinião alheia são:
“As redes sociais amplificam esse medo. É como viver numa vitrine. Estamos sempre expostos e isso cria uma sensação crônica de vulnerabilidade”, reflete a neuropsicóloga. Por isso, o desafio contemporâneo é viver de forma íntegra em um mundo que nos empurra para a performance. Reconhecer que a liberdade não está em nunca ser julgado, mas em não ser definido por isso.
No entanto, há caminhos possíveis para não se abalar com a opinião dos outros sobre nós. “Todos temos capacidade de reagir às condições adversas. Esse movimento de retorno para si acontece quando o amor-próprio começa a emergir como força de reconstrução emocional”, afirma Jorge. Ele chama esse momento de “reencontro intrapsíquico” — um tempo de reapropriação do próprio desejo em que o sujeito deixa de viver sob os olhos dos outros para encontrar a própria presença.
“Esse ponto de virada raramente é repentino. Ele vai sendo costurado na análise, nas pequenas escolhas que rompem o ciclo da autoanulação, no resgate da liberdade de ser quem você é verdadeiramente, ainda que não agrade a todos.”
Fique por dentro dos projetos interessantes e dos próximos eventos do Dr. Jorge Guedes.
© 2025 Dr. Jorge Guedes – Desenvolvido por: Thabata Bastos.